quarta-feira, 21 de abril de 2010

Entrevista com Sangre Cavallum


Sangre Cavallum, grupo musical identitário da Gallaecia Sul (Portucale)

Quando se deu a génese de Sangre Cavallum?

Foi num Inverno há dez anos atrás. O interesse pela música como elemento mágico e criador vinha dos anos 80 onde todos tivemos experiências diversas. O passo para Sangre Cavallum deu-se pela necessidade de cantar a Callaecia, cantar a nossa terra e as suas tradiçons. Para o efeito começamos a usar instrumentos tradicionais em bárbaro convívio com os modernos equipamentos de hoje. Juntámo-nos pela luita espiritual que nos une e pela vontade de percorrer o nosso próprio caminho. Assim quisemos criar a nossa música sem vassalagem às imposiçons culturais, leia-se genocídio cultural, das sociedades modernas.

A nível musical, os membros da banda têm formaçom académica na área ou aprenderam sempre com base na prática?
Apenas um elemento, a Corinna Ardo, tem formaçom clássica de piano, instrumento que por ora raramente usámos. Tal como eu, os restantes elementos (Jorge Ricardo, R. Coutinho, A. Rangel e Emanuel Melo da Cunha) som autodidactas ou com algumha formaçom tradicional. Somos oriundos de áreas como o rock alternativo de 80, o punk, a música experimental ou o folclore minhoto.

Quais som as principais referências e influências na sonoridade de Sangre Cavallum?
Concerteza que fomos influenciados por bandas como Death in June, Sol Invictus ou Joy of Life, ou ainda Joy Division, And Also the Trees, Test Department ou Bauhaus. Do lado do folk os eternos Malicorne, Banda do Casaco, Milladoiro, Steeleye Span ou Alan Stivel. Contudo, parece-nos que a maior influência, aquando na formaçom da banda, veio dos grupos de gaiteiros mirandeses, dos pastores, dos cantares de trabalho e dos arrepiantes grupos de Zé-pereiras que muito estimámos desde do Vale do Sousa ao Alto-Minho.

E qual o papel do folclore tradicional nos vosso trabalhos?
Há elementos tradicionais do Norte do estado português e da Galiza que se podem detectar na nossa música. Outros som mais sublimes ou até se encontram ocultos no interior dos temas. Nom há umha preocupaçom excessiva quanto à autenticidade. A tradiçom é umha sementeira viva e criadora, cada intérprete vai acrescentando a sua marca e os elementos da sua realidade e da sua memória. Nom fazemos música de época, podemos perfeitamente combinar um instrumento com 150 anos e um qualquer software e daí resultar umha cançom. A tradiçom nom é umha relíquia dentro dum armário, é antes um fogo vivo.

É notável a quantidade de instrumentos utilizados na criaçom da vossa música. Quãm importante é o seu papel no contexto de Sangre Cavallum, musicalmente e socialmente?
Cada instrumento conta umha história. De cada um brota umha musicalidade, umha linha melódica que muitas vezes nom se inventa noutro instrumento. Há umha riqueza tímbrica que nom se repete e que advém das madeiras, do construtor e da vida a que o instrumento esteve sujeito. Normalmente preferimos os instrumentos em segunda-mão ou entom feitos à nossa medida nos nossos amigos construtores – que nas mãos gretadas guardam magias antigas, música e tradiçom.

Desde a ediçom da vossa primeira gravaçom até ao primeiro álbum decorreram cerca de 6 anos, tendo “Pátria Granítica” e “Barco do Vinho” saído 2 anos depois. Foram-se tornando mais produtivos ao longo dos anos?
Os lançamentos nom som prioritários, temos outros interesses ligados à música que nom passam pelo registo sonoro e pela sua divulgaçom. Sempre houve um bom ritmo de trabalho e o nosso arquivo é hoje muito extenso, é o nosso maior património. Nessa altura gravámos mais dois álbuns nom editados e outros temas para lançamentos futuros. A explicaçom é simples, nom trabalhámos sob qualquer pressom editorial. Há apenas a vontade autónoma de editar, ou nom, em determinadas datas e circunstâncias.

Com dois trabalhos lançados no mesmo ano, quais som as principais diferenças entre eles?
A maior diferença reside na temática. As diferenças musicais em nada nos inquietam, fazemos sempre o que gostámos. O facto de haver um cruzamento entre os dois projectos nom altera o processo criativo. Conhecemo-nos bem e sabemos como cada projecto trabalha. Em termos de gravaçom há algumhas diferenças. Houve partes que foram gravadas presencialmente enquanto outras se dependeram da troca postal.

Todo o conceito lírico de “Pátria Granítica” gira em redor do legado histórico dos nossos antepassados. Quais serám as características principais desses tempos que nom consideram existir actualmente?
Honra, fidelidade, intolerância e protecçom familiar som elementos dumha visom que gira em redor do combate perpétuo, ao serviço da raça e da terra, e nunca em redor da paz podre e artificial do materialismo cristão. Estes e outros elementos elevam o sentir comunitário. Outra das verdades esquecidas é o encarar a morte com a dignidade dum triunfo, dumha vitória. Todos estes valores devem ser transmitidos aos nossos filhos em forma de glosa heróica ou cançons evocativas, assim se faz da música e do lirismo, verdadeiros fachos do espírito. O actual e fastidioso chorrilho humanista é apenas ruído para os nossos ouvidos.

E porquê a temática do Vinho como catalisador da inspiraçom do split com Allerseelen? Era umha ideia já a pairar há muito tempo?
Sim, a ideia foi fermentando durante algum tempo e na altura certa começamos a trabalhar. O vinho encerra muito de mágico e de comunitário. Fazer o vinho é um trabalho que une a fertilidade da terra e a arte e força dos homens.

Qual foi a principal motivaçom para a publicaçom deste split?
A vontade de trabalhar em conjunto e a admiraçom pelo vinho levou-nos a pensar neste trabalho. Há muitos gostos e aspiraçons comuns daí que seja sempre provável que nasçam ideias conjuntas. A colaboraçom entre projectos nom é prova de qualquer aliança ou pacto, é a prova de que ombro a ombro se caminha firmemente.

Sendo os Allerseelen umha banda Austríaca, foi difícil para eles enquadrarem-se numha temática tam nossa como a cultura vinhateira do Norte do estado português, especificamente a relacionada ao Rio Douro?
A cultura do vinho é algo transversal aos Europeus, sobretudo aos que cultivam o gosto pela terra. O Douro, pela sua seduçom natural, facilmente se enquadrou nas buscas de Allerseelen. O próprio Gerhard teve oportunidade de visitar e de se deixar encantar pelo Douro e os seus vinhos.

“Barbara Carmina” foi lançado pela Storm/Tesco mas “Pátria Granítica” e “Barco do Vinho” pela Ahnstern/Steinklang Industries. Houve algumha razom especial para a mudança?

Nom houve qualquer problema com a Storm e continuámos a ter projectos comuns para ediçons futuras. No entanto, para o volume de trabalho que se avizinha é mais adequado trabalhar com a Ahnstern. Trata-se apenas de gostarmos de trabalhar com amigos, o que acontece em ambas as editoras.

Estám satisfeitos com o trabalho de promoçom feito até agora pela Ahnstern?
O trabalho com eles agrada-nos em todos os sentidos. A promoçom é suficiente, a distribuiçom funciona bem e nom há qualquer pressom ou solicitaçons indesejáveis. O que importa é estar longe das demandas dos mercados, das estéticas da artificialidade e, sobretudo, nom engraxar botas que nom as nossas.

Acaba por ser curiosa a vossa relaçom próxima com projectos referência neste espectro sonoro, como Blood Axis e Allerseen. Depois de terem editado pela Storm e actuarem em Portugal com a banda de Michael Moynihan, agora que editaram pela Ahnstern e lançaram um split com Allerseen, podemos aspirar a ver-vos tocar com a banda de Gerhard Hallstatt nos próximos tempos?
É natural que isso venha a acontecer. Existem os convites e serám ponderados.

Tocar ao vivo é umha cousa que os Sangre Cavallum têm feito raramente ao longo dos anos. É umha opçom própria?
Por nossa vontade e natureza os concertos nom som prioritários. Preferimos o silêncio do lar e o ar dos montes aos ambientes dos concertos.

Mas qual foi o vosso concerto mais especial?
Foi no teatro romano das ruínas de Segobriga, perto Cuenca (Espanha) no festival Arcana Europa. Tocámos sob um Sol abrasador e foi um concerto muito dedicado à nossa terra e à nossa música de raiz. Outro aspecto que muito nos agradou foi o facto de em frente ao palco existir umha grande e bela estátua sem cabeça, a lembrar Portugal sem a Galiza. Por tudo isso, foi especialmente iluminado. Contudo, os poucos concertos que tocámos foram sempre especiais.

Há algumha banda com a qual gostariam particularmente de actuar?
Agrada-nos muito a ideia de tocar com um vasto grupo de Zés-pereiras a assegurar a percussom. De resto, quaisquer dos grupos nossos amigos poderam integrar apresentaçons ao vivo.

É notória a vossa aversom ao Cristianismo e orientaçom Pagã. Consideram-se representantes/praticantes do Paganismo tradicional, ou preferem manter-se alheios a questons religiosas ou filosóficas?
Nom há enquadramento possível, o melhor é mesmo nom fazer parte do que quer que seja. Por certo que somos alheios a todo este enredo social, a todas psicoses que largamente afectam a sociedade actual. Por outro lado, nom representámos qualquer sistema ligado ao neo-paganismo ou qualquer prática organizada. A nossa religiosidade, de culto pagão, a nós pertence. Naturalmente que crescemos lado a lado com a Cristandade mas cedo se substituiu a cruz ensanguentada por muitos símbolos solares, esses que por todo o Norte encontrámos gravados nas pedras e na nossa memória. Venha a nós o nosso reino…

Os Sangre Cavallum têm algum papel político ou social?
Nom nos interessa a política, a economia e a grande conspiraçom que mantém apertados estes grilhons das modernas sociedades.

Mas a passagem da mensagem de uniom e preservaçom da Callaecia é compatível com eventuais aspiraçons políticas de fusom do Norte do estado português e Galiza num estado independente?

Nom temos qualquer interesse em novas fronteiras administrativas para a Callaecia, novos paus-mandados no poder com a inata falta de acutilância dos que hoje içam bandeiras. Nom queremos mais do mesmo, ou seja, mais republicanos aldrabons, vendidos aos poderes do comércio e do Santo Lucro. Interessa-nos a unidade espiritual galaico-duriense, o Pangaleguismo, a religiosidade arcaica, o etnocentrismo e a reposiçom histórica, que o estado português nom esqueça o seu Norte consanguíneo, a Galiza! De resto, as inconsequências políticas ficam para os abutres do costume.

Quais som os planos de Sangre Cavallum para o futuro?

Para além do muito trabalho interno, serám produzidos novos álbuns e eventualmente algumhas apariçons ao vivo. A tendência será o aprofundar deste cruzamento entre música de inspiraçom tradicional e as músicas mais underground como o Industrial, o rock psicadélico ou a música experimental. Serám efectuados alguns trabalhos com imagem vídeo entre os muitos tributos à Callaecia, às suas fontes etnográficas e aos tesouros da espiritualidade d’aquém e d’além Minho, a nossa terra transduriana.

Se vos fosse dada a possibilidade de concretizar um objectivo ou desejo específico, qualquer cousa, o que seria?
Desenterrar muitas cousas e enterrar muitas mais!

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