terça-feira, 5 de junho de 2012

Alguns esquecidos: Schmitt e Heidegger


CARL SCHMIDT

O destino da figura de Carl Schmidt, filósofo de Direito, é um dos tantos exemplos de extremos a que chegaram nas depuraços subseqüentes ao triunfo das “Democracias”, em 1945. Este homem, a quem os seus próprios inimigos tiverom que reconhecer "duradouros conhecimentos jurídicos e políticos, análises exatas e profundas da sociedade, grande visom histórica, clara distinçom entre sistemas políticos e simples formas de governo, erudiçom e conhecimento técnico", foi expulso da Universidade e da Associaçom dos Mestres Germanos e condenado à morte, como conseqüência da derrota da Europa durante a Segunda Guerra mundial. Atoparia segurança e exílio no estado espanhol. Foi considerado culpável, polo fato de denunciar a degradaçom do povo germano fronte à Republica de Weimar, e, posteriormente, polo fato de ter sido um partidário incondicional do Nacional-Socialismo.

  Já na sua primeira época, Carl Schmitt ataca violentamente a jurisprudência neokantiana e o seu conceito de normas, através dos quais, ao seu ver, constitui-se a farsa de Weimar. Partindo da idéia de que todas as representaçons essenciais da esfera espiritual do homem som existenciais e nom normativas, critica o conceito do "metajurídico" de Jellnek e Kelsen. Isto, noutras palavras, diz respeito à interpretaçom imanente das normas jurídicas vigentes, no momento dado, que convertem o Estado numha trama de relaçons valeiras e destrui o preconceito que faz do Direito um eido de vigência autônomo, regido polas suas próprias leis, sem ter em conta a sua gênese social e racial. Dende o primeiro momento, mostra-se irredutivelmente hostil ao sistema parlamentar de Weimar e combate implacavelmente o status quo diante do qual se atopa.

 Meiante umha grande laboura publicista, ao seu próprio modo, Schmitt desenrola umha crítica científica à ideologia liberal e expom a crise do sistema parlamentar. A “Democracia” burguesa e o “capitalismo liberal” revelam o seu caráter fortemente contraditório e oposto aos interesses do povo germano. Ela carece totalmente de conteúdo, sendo a "igualdade" só um nome formal. A essência do parlamentarismo consiste na independência dos deputados fronte a seus eleitores; esta é a causa da sua própria riqueza, ou da do seu partido, o que pode ser chamado de plutocracia. É a ela a que se conduz a idéia de "igualdade", sempre em benefício das democracias burguesas. A respeito dos países de cunho marxista – na sua época, somente a URSS –, Carl Schmitt prediz lucidamente que "é precisamente umha pseudo-religiom de igualdade absoluta que irá abrir o caminho para um terror humano". Os "eternos direitos do homem" som produtos da mentalidade burguesa e quando esta fosse superada pela Revoluçom Nacional de 1933, já nom haverá lugar para tais princípios. O pluralismo partidarista é um grave perigo para a formaçom da vontade estatal, ausentando opçons. Assim o filósofo expressou-se: "Aparecem cinco listas de partidos formados, dum modo extraordinariamente misterioso e oculto, ditadas por cinco organizaçons. As massas repartem-se em cinco células previamente preparadas e aos resultados estatísticos disso todo chama-se eleiçom". Toda a missom do parlamento reduze-se a conservar um absoluto status quo e representa, portanto, a dissoluçom do Estado.

 Igualmente a Nietzsche em "O nascimento da tragédia", Schmitt olha na trajetória parlamentarista a degradaçom da força da Germânia. O espírito germano apresenta a sua abdicaçom meiante transiçom à democratizaçom e às "idéias modernas". O "progresso" materialista, que parte do século XIX, aparece como umha tendência hostil contra a forte Germânia. Como representantes degenerados desse materialismo no seu interior, ele aponta nomes como o de Thomas Mann, Remarque, Freud; comunistas judeus como Paul Lévy, Ruth Fischer e Leo Johisches; além doutros espécimes de reacionários. Mas Carl Schmitt nom se limita a umha crítica no plano intelectual, pois é amplamente consciente: "Quando inimigos reais existem, há, também, umha razom em repudiá-los e, sendo necessário, fisicamente luitar contra eles (...). Pois é na guerra onde está a essência de todas as cousas, sendo a categoria de guerra total um meio que determina o tipo e a estrutura de totalidade do Estado – a guerra total é nada mais que a conseqüência dum inimigo também total”.

 Nesta luita contra Weimar, ele ataca toda veleidade restauracionista da volta reacionária ao passado e saúda o Movimento Nacional-Socialista como umha tentativa heróica de manter e fazer com que prevaleça a dignidade do Estado e a unidade nacional perdida fronte aos interesses econômicos, proclamando a impotência do socialismo marxista frente às idéias de base da Raça e Naçom. Tendo em vista que o parlamento representa a dissoluçom do Estado (em 1932 demonstrou brilhantemente a arbitrariedade das ordens de 13 de Abril e 5 de Maio, dissolvendo as organizaçons paramilitares: SA e SS do Partido Nacional-Socialista), faz-se necessária umha ditadura democrática, posto que o máximo grau de identidade dum povo produze-se quando este aclama pola sua vontade. Tal ditadura é verdadeira; representa a verdadeira democracia, pois é originada do Povo. Na sua obra "Der Führer schütz das Recht", Schmitt propugna para o Führer o direito e a força necessários, para instaurar um novo Estado numha ordem. “O Führer tomará a decisom que defende o direito contra os piores abusos, dissolvendo a multiplicidade de ordens da unidade de ordem, a prezar polos interesses do povo germano”. Depois da guerra, Carl Schmitt seguiu a luita, especialmente contra o reconhecimento infame da linha Oder-Neisse, diante da qual abatiu-se o governo títere de Willy Brandt, o qual validou a condenaçom do autor à morte, bem como a postergaçom da sua obra (inclusive queima de livros). Nos dias de hoje, poucos o conhecem, à excepçom dalguns círculos jurídicos.



 MARTIN HEIDEGGER

 "Nom existe senom umha 'classe de vida' germana, que é a classe do trabalho. Ela está fixada nos fundamentos do nosso povo, o qual permanece livremente submetido à vontade do Estado. Seu caráter, do mesmo modo, é relacionado ao Movimento do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Germanos".

 "O saber e a posse deste, no sentido compreendido polo Nacional-Socialismo, nom se separa em classes. Polo contrário, une-as de modo que membros da pátria e dos estados (corporaçons) representem a única e grande vontade do Estado”.

"É assim que as palavras 'Saber' e 'Ciência', 'Trabalhador' e 'Trabalho', receberam outro sentido, dotada de nova sonoridade. O 'Trabalhador' nom é mais como o quer o marxismo, que dele faz uso como um simples objeto de exploraçom. O Estado de trabalho nom consiste numha classe de deserdados que devem tomar a responsabilidade completa na luita geral de classes”.

 Martin Heidegger nasceu em Messkirch, sendo filho dum modesto sacristam e mestre torneiro, em 26 de Setembro de 1889. A casa paterna gerou-lhe um ambiente de espiritualidade que, pola sua vez, terá ligaçom com praticamente todas as obras suas. A Floresta Negra, a sua terra natal, formará parte de seu caráter. "Sein und Zeit" será escrita em boa parte na sua pequena cabana, localizada em Todtnauberg. O próprio Heidegger, mais tarde, afirmará que o facto de pertencer ao seu país, e à gente da Floresta Negra, brindava-lhe cum enraizar com a terra, ao solo e inclusive ao sangue. Tivo, através destes preceitos, umha ligaçom com o também nacional-socialista Walther Darré.

 Heidegger cursou os seus estudos normais, através dos quais chegou à sua formaçom na Faculdade de Letras de Freiburg, onde se doutorou em 1914. A partires de 1923, passa a trabalhar como mestre em Marburg. Sendo um neoescolástico, Heidegger é considerado o derradeiro grande filósofo romântico, bem como o derradeiro dos metafísicos clássicos. Confessa-se ele ser um discípulo de Nietzsche. Também estuda com profundidade ao poeta Hölderlin, assim como a Mörike, Hebbel, Rilke, entre outros. Ele acostumava dizer que a “Filosofia e a Poesia mantem-se em caras opostas. No entanto, a sua mensagem é a mesma”. De Hölderlin recorda um verso: "Onde há o maior risco, há sempre a maior esperança".

 Figura polêmica e sugestiva, os seus muitos inimigos nom poderam esquecer a sua obra, apesares do silêncio que fora provocado sobre a sua pessoa. Na raiz da sua morte, ficara um novo renascer. Sartre, na sua covardia habitual, incapaz de silenciar as valiosas contribuiçons filosóficas de Heidegger, limitava-se a dizer: “O caso de Heidegger é demasiado complexo para expô-lo”. Constam entre as suas primeiras obras "Die Lehre vom Urteil im Psychologismus" (1915), "Zur Zeitbegriff in der Geschichtswissenschaft" (1916), "Die Kategorien und Bedeutungslehre des Duns Scotus" (1916). Do seu trabalho destaca-se "Sein und Zeit", que publica em 1927, sendo considerada a sua obra máxima e, nos dias de hoje, é bastante familiar em centros filosóficos e teológicos. Umha segunda parte desta obra está ainda por aparecer. Em 1928 publica "Vorbemerkungen der Herausgebers" e um ano depois "Kant und das Problem der Metaphysik". Em 1936, "Hölderlin und das Wesen der Dichtung". Em 1942, "Platons Lehre von der Wahrheit"; em 1943, "Vom Wesen der Wahrheit" e em 1944 "Erlanterungen zu Hölderlins Dichtung". Nos anos do pós-guerra publica a sua famosa "Carta sobre o humanismo", e entre 1953 e 1957, umha série de obras curtas, embora fondamente importantes. Em 1961, aparecem os seus dous volumosos tomos sobre Nietzsche, de onde Heidegger recorre à obra que difundiu através de seminários, trabalhos e conferências entre 1936 e 1956. Como ele mesmo afirma, "Para a extensa Filosofia, nom pode avançar sem que se deixe de lado sua própria óptica, que é a Metafísica”. A sua preocupaçom por umha Metafísica será constante na sua obra. O super-homem de Nietzsche será influído por Ernst Jünger (e a sua obra "Der Arbeiter"), identificando-o em boa parte com o trabalhador da nova Germânia – um laço notável com as concepçons do Nacional-Socialismo. "Esta Europa que, em incurável cegueira, atopa-se sempre a ponto de apunhalar-se a si mesma, está cercada por Rússia e América. Ambas, do ponto de vista metafísico, som o mesmo: o mesmo delírio sinistro da técnica desencadeada e da espectral organizaçom do homem normalizado".

 Quando Hitler ganha as eleiçons que lhe dam o poder, o 30 de Janeiro de 1933, ele fala de trabalho, ética, arte e futuro. A sua linguagem corresponde significativamente às concepçons de Heidegger. Neste sentido, é interessante lembrar a Cassier que, em 1950, retratou a incontestável inclinaçom do filósofo polo anti-semitismo. Möllndorf, membro do Partido Social-Democrata, até entom reitor da Universidade de Freiburg, é destituído, sendo proposto a Heidegger a assumir tal posto. A suas idéias antiliberais e antiburguesas correspondem à corrente puramente antidemocrática das universidades germanas, segundo as palavras de J.P. Cotten, em 1974. O novo reitor é eleito por unanimidade para o cargo, em 21 de Abril de 1933, o que o faze demonstrar publicamente seu apoio ao Nacional-Socialismo. Dez dias depois, ingressa no NSDAP. A imprensa difundiu a nova comentando: "Sabemos que Heidegger está com seu coraçom junto com o nosso movimento". O mesmo Heidegger, na ocasiom do aniversário dum estudante morto, pronunciou umha alocuçom que terminaria com estas palavras: "Honremos o herói e como homenagem, levantemos os nossos braços em silêncio”, referindo-se à saudaçom solar Nacional-Socialista. Durante alguns poucos meses, ocupou o cargo de reitor, mas logo retirou-se de toda vida pública. Durante toda aquela época, Heidegger foi considerado o “pensador mais importante do nosso tempo”.

Heidegger demonstrou apoiar a Hitler. Por três vezes, nos dias 03, 10 e 11 de Novembro de 1933, mostra publicamente-se a favor da retirada da Alemanha da Sociedade das Naçons, tendo dito: "A Revoluçom Nacional-Socialista nom é simplesmente a tomada do poder por outro partido que teria crescido para tal finalidade. Polo contrário, esta Revoluçom significa a mudança total de nossa existência germana". E também: "Nom procuredes as regras do vosso ser nos dogmas e idéias, pois o Führer por si só constitui, de modo único, a realidade germana de hoje e amanhã; ele é a vossa lei”. Sem mudar em absoluto o seu modo de pensar, Heidegger pronunciou-se analogamente, dez anos depois, em plena guerra, no ano de 1943: "Nem os dogmas ou verdades racionais devem transformar-se nas normas da nossa conduta. Hoje e sempre, o Führer é o único capacitado para decidir o que é bom ou mal – ele é a nossa única lei”.

 Para Heidegger, a Revoluçom Nacional-Socialista seria o caminho para um autêntico "Dasein", umha vez próximo do Povo, e este seria unificado pelo Führer. Entre 1933 e 1945 pronunciaria numerosas conferências, entre as quais destacam aquelas reunidas em torno das “Sendas perdidas”. No entanto, isto tudo nom representaria valor ou benefício algum aos vencedores de 1945. Com o remate da guerra, os inimigos da Germânia suspenderom as suas funçons de mestre. A Heidegger proibese-lhe lecionar na Universidade de Freiburg, Isto durou até 1951.

 Um ano depois, voltou viver na sua terra natal. Em entrevistas, mantivo o seu silêncio a respeito da colaboraçom exercida com o Nacional-Socialismo. Até 1969, nenhuma emissora de televisom da Alemanha ocidental tinha-o procurado. A respeito dalgumhas das suas declaraçons, selecionamos um trecho dumha entrevista publicada no jornal Der Spiegel, em 1966:

Heidegger: Polo que sei, segundo a nossa experiência humana e histórica, todo o que há de grande e essencial surgiu quando o homem tinha um Lugar e estava enraizado numha Tradiçom. A literatura actual na sua maioria é, ao meu ver, destrutiva.

Der Spiegel: Se a arte nom conhece lugar, nom é ela destrutiva por si só?

Heidegger: Bem, deixemos isso de lado. Quero somento esclarecer que nom vejo horizontes na arte moderna – o seu olhar, assim como sua procura, é abismal.

Na Germânia, ao final de 1974, iniciarom-se os preparativos para disponibilidade das suas obras completas, das quais constam 70 tomos. Sem dúvidas, a mais completa e profunda obra filosófica do século XX, estando muito acima dos auto-intitulados “grandes filósofos” de nossa era.

Heidegger morreu longe da vida pública, no silêncio que somente as “democracias” sabem impor sutilmente, em Maio de 1976, aos 86 anos de idade, na sua terra natal da Floresta Negra. Em nenhum momento arrependera-se dum passado que já formava parte da sua própria vida.